Hamlet e o versossímil

No trecho abaixo, Hamlet lança sua filosofia sobre a representação - o papel do ator - para um dos atores que irá representar um papel na peça para o Rei da Dinamarca. O que ele pensa é basicamente o que sinto ser um dos conceitos fundamentais do realismo e, consequentemente, da verossimilhança. Eu aprecio esse conceito - verossímil - sinto-o mais potente que o realismo ou, acredito, os dois conceitos se aglutinam. Creio nessa última afirmação, de fato. É difícil falar desses conceitos porque se permite muitas interpretações, mas a verossimilhança é a verdade acerca da própria natureza de determinada criatura. Não quero relativizar com palavras o que seja essa verdade, pois o meu olhar me diz, quando vejo uma cena, se o que se mostra é de fato crível. Se o corpo, se a voz, o texto e a relação estão todas em arranjo. Seu discurso é a síntese profética do próprio papel da arte.

HAMLET
Mas também nada de contenção exagerada; teu discernimento deve te orientar. Ajusta o gesto à palavra, a palavra ao gesto, com cuidado de não perder a simplicidade natural. Pois tudo que é forçado deturpa o intuito da representação, cuja finalidade, em sua origem e agora, era, e é, exibir um espelho à natureza; mostrar à virtude sua própria expressão; ao ridículo sua própria imagem e a cada época e geração sua forma e efígie. Ora, se isso é exagerado, ou então mal concluído, por mais que faça rir ao ignorante só pode causar tédio ao exigente; cuja opinião deve pesar mais no teu conceito do que uma platéia inteira de patetas. Ah, eu tenho visto atores - e elogiados até e muito elogiados! - que, pra não usar termos profanos, eu diria que não tem nem voz nem jeito de cristãos, ou de pagãos - sequer de homens! Berram, ou gaguejam de tal forma, que eu fico pensando se não foram feitos - e malfeitos! - por algum aprendiz da natureza, tão abominável é a maneira com que imitam a humanidade!

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